Repudio ao projeto de lei que pretende proibir o eyeball tattooing no Brasil
Atualmente o projeto está pronto para pauta na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), conforme aponta o site da Câmara dos Deputados, devendo ainda passar pela Comissão da Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC).
Sendo assim, o Frrrk Guys – entidade de abrangência internacional, fundado em 2006 e que tem como objetivo a informação, defesa e a promoção da cidadania das populações ligadas com as práticas da modificação corporal – em parceria com o GESMC – Grupo de Estudos Sobre Modificações Corporais – entidade de abrangência nacional, fundada em 2014 e que tem como objetivo os estudos das práticas de uso e modificação do corpo – vem a público repudiar veementemente o Projeto de Lei 5790/2013:
- Considerando que o projeto de lei se baseia em informações equivocadas sobre o histórico do procedimento. O autor argumenta – sem oferecer fonte apropriada - que o procedimento iniciou-se em 2010 por dois presidiários norte-americanos, o que de imediato pode gerar uma análise negativa e sequente marginalização da prática.
Como apontam os registros, o procedimento do eyeball tattoing – utilizando o método de injeção – foi inventado por Shannon Larratt e realizado por Luna Cobra em 2007 no BMEfest e em seguida no ModProm, eventos idealizados e relacionados ao principal portal de modificação corporal no mundo, BMEzine.com.
Essa informação e inclusive uma explicação de onde surgiu a equivocada ideia sobre os presidiários pode ser encontrada no link abaixo:
http://news.bme.com/2012/10/18/the-eyeball-tattoo-faq/
A informação que narra exatamente o início da prática pode ser lida no link abaixo:
http://news.bme.com/2007/07/02/three-blind-mice/
- Considerando a ausência de diálogo com a comunidade da modificação corporal brasileira, especialmente com aquelas pessoas que já passaram pelo procedimento, e igualmente por ver ignorada a opinião de profissionais que estão estudando a técnica ao redor do mundo. Entendemos o respectivo projeto de lei como sendo autoritário, controlador e que nega os princípios básicos de um Estado democrático.
- Considerando que por se tratar de um procedimento novo e sem estudos científicos comprovados é inadmissível que as pessoas que coloriram as suas escleras não sejam ouvidas. Que inclusive seja ouvido não apenas o discurso sobre a técnica mas também aquele que se relaciona com a subjetividade de cada pessoa. Entendemos que por se tratar de uma manifestação da ordem do sujeito, este precisa ser escutado, antes de ser criminalizado.
- Considerando que o argumento do autor do projeto de lei se baseia no senso comum, reproduzindo discursos de jornais sensacionalistas, deixando evidente que não houve nenhuma pesquisa séria ou base histórica apropriada. Outrossim, se torna inaceitável que um discurso equivocado, inapropriado, primário e superficial, seja suficiente para criminalizar uma prática e um grupo de pessoas.
- Considerando equivocado em absoluto o paralelo que o autor traça no projeto de lei, relacionando a pigmentação da esclera com o procedimento que altera a cor da íris. Buscando esclarecer, o procedimento que altera a cor da íris é feito desde 2004 por médicos oftalmologistas e segundo registros, somente legalizada, no Panamá. Na maioria dos países, inclusive no Brasil, o procedimento não tem aprovação do Conselho Federal de Medicina e fere o código de ética médico.
A informação com depoimentos de médicos e pacientes pode ser vista no link abaixo:
http://www.frrrkguys.com.br/troca-da-cor-dos-olhos-quase-cega-uma-brasileira/
- Considerando a bioética do profissional da saúde, em que o autor aparentemente se debruçou para redigir o presente projeto de lei, é preciso levar em consideração – em igual medida – os seus três princípios: o da beneficência (ou não-maleficência), da autonomia e da justiça; cujos protagonistas são: médico, paciente e sociedade. Ao que fica evidente no discurso do autor é a enorme preocupação com a não-maleficência e nenhuma menção ao inegável principio da autonomia. Baseando-se neste último, o ser humano – maior de idade, ciente de todos os riscos e em consenso com o profissional – “tem o direito de ser responsável por seus atos, de exercer seu direito de escolha respeitando-se sua vontade, valores e crenças, reconhecendo seu domínio pela própria vida e o respeito à sua intimidade” como nos lembra a advogada Juliana Frozel de Camargo em “Introdução à Bioética”.
- Considerando ainda que alteridade é critério fundamental da bioética é preciso levar em consideração que para que tenhamos, de fato, uma sociedade ética e democrática, as singularidades precisam ser promovidas, reconhecidas e respeitadas. Compreendemos a preocupação do autor do projeto de lei com a segurança da saúde das pessoas, mas há de se pensar não apenas na saúde física, mas também na psicológica. Não existe saúde psicológica quando a alteridade de um sujeito é criminalizada, a sua subjetividade não posta em consideração e seu corpo controlado pelo Estado.
- Considerando que o respectivo projeto impõe sim um padrão de comportamento a partir do momento em que proíbe e prevê a prisão daqueles que não concordarem com a proposição apresenta pelo senhor Deputado.
- Considerando a prática do eyeball tattoo como uma expressão do ser humano através do corpo, é preciso fazer valer o artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos que diz:
“Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”
- Considerando que o respectivo projeto de lei fere os direitos humanos.
- Considerando que o projeto de lei foi encaminhado para Comissão de Seguridade Social e Família e para Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e não para Comissão de Direitos Humanos, reforçamos a sensação de que o projeto fere os direitos humanos básicos.
- Considerando que tanto o autor, senhor Deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), quanto a relatora, senhora Deputada Gorete Pereira (PR-CE) da Comissão de Seguridade Social e Família, baseiam os seus argumentos e justificativas com explicações sem comprovações de cunho científico.
- Considerando que a criminalização da prática – e respectivamente, de seus praticantes – estão incompatíveis com um Estado Democrático e que é um atentado direto a liberdade de expressão.
- Considerando que a criminalização da prática implica na criação de um nicho clandestino, o que pode potencializar, de fato, sérios e graves riscos.
- Considerando que a criminalização da prática interrompe o processo de pesquisa e aperfeiçoamento técnico, elevando o grau de risco.
- Considerando que o autor do projeto de lei não leva em consideração que as modificações corporais são partes indissociáveis da história da humanidade.
Nós, do Frrrk Guys e GESMC, exigimos o arquivamento imediato do PL 5790/2013 – de autoria do Deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), atualmente tramitando e aguardando Pauta na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) – por compreendermos que legislação como esta abre precedentes para a perseguição, criminalização, estigmatização de práticas culturais, sociais e históricas e respectivamente da comunidade ou grupo de pessoas que as vivem. Tornamos público o nosso repudio a legislações similares, que como já dito acima, são incompatíveis com um Estado Democrático de Direito.
Conclamamos as autoridades ligadas aos direitos humanos e todas aquelas que preservam a liberdade individual de expressão, assim como a sociedade deste país a se posicionarem contra o PL 5790/2013.
Atenciosamente,
Thiago Soares – idealizador do Frrrk Guys e coordenador do GESMC
“Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu? Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.”
Antonio Gramsci